Tive o privilégio (embora esta palavra não seja a mais apropriada aqui) de estar em uma sala de aula do ensino fundamental I por alguns dias como observadora, com o objetivo de entender o desinteresse das crianças pela escola e vice-versa (por que, a instituição escolar está, de fato, interessada em seus alunos?). O que vi fomentou algumas inquietações que quero socializar aqui...
O que, afinal, é ser professor em uma sociedade tão desigual quanto a nossa, repleta de interesses políticos duvidosos?
Exercer o papel apenas de transmissor de conteúdos, desconsiderando seu aluno como um ser completo e capaz, torna a tarefa de ser professor menos árdua. Parece-me que (quase) o tempo todo, a professora pensa assim e arquiteta suas atitudes a partir deste entendimento, transmitindo, em suas aulas, um conhecimento que não é o seu, mas de um livro didático, pouco elaborado, o que evidencia um alto grau de descomprometimento com a sua função.
Decepcionei-me em presenciar a exposição involuntária (porém inevitável) de nossas crianças a diagnósticos clínicos de professores que sequer sabem lecionar e que, a partir deles, submetem-nas a experiências que, se levam a algum ponto, este pode ser chamado de fracasso. Será que os cursos de formação de professor/educador estão preocupados em formar um profissional crítico, reflexivo, autônomo? Ou mais uma vez devemos considerar as ideologias implícitas nos conteúdos dos cursos e, ao nos esbarrarmos com as políticas públicas em educação, nos conformarmos com a realidade caótica da escola brasileira?
Em alguns momentos, a professora da sala apresentava um discurso pedagógico construtivista e, dizia ter desenvolvido uma “alfabetização letrada” com seus alunos, o que a princípio, levou-me a vê-la como uma boa professora. Mas, depois de todo estudo desenvolvido na Universidade, sei que um bom professor não é aquele que possui um discurso otimista sobre a formação de cidadãos, mas aquele que, tendo consciência da real problemática escolar, olha para seus alunos e enxerga não problemas, mas possibilidades e, armados de coragem e comprometimento com a educação além de todo embasamento teórico disponível, permitem-se sonhar com uma educação capaz de formar indivíduos autônomos e realizar seus sonhos.
É necessária a efetivação de mudanças na maneira prática das crianças construírem conhecimento, começando por considerar a sala de aula um lugar versátil e não um meio de controle de disciplina. Um passeio pelo pátio da escola pode ser trabalhoso para o professor, mas também pode servir como gerador de temas de estudo e observação. A utilização dos espaços da escola, como o anfiteatro, para a apresentação de peças teatrais idealizadas e desenvolvidas pelas crianças a partir de temáticas de suas próprias realidades e interesses, com a supervisão da professora, pode construir conhecimento significativo e servir de base para o trabalho com outras disciplinas. Pode, acima de tudo, despertar na criança o gostar da escola (e de si mesma) e possibilitar entender a mesma como um lugar que a acolhe, que a ouve e a respeita como ela é. Isto fará a criança se reconhecer como capaz e útil, gerando mudanças no seu modo particular de ver o mundo e de se reconhecer como parte viva e importante dele.
Contudo, não quero rotular a escola e a professora como sendo “serial killers” de toda uma geração, pois ainda acredito que há possibilidades de mudanças e que todos são capazes de mudar.
Aqui retomo o "privilégio" que mencionei no início do texto: a possibilidade de conhecer as várias faces da educação e da representação docente e suas conseqüências na formação global da criança, pois penso que para propor mudanças e fundamentá-las, é necessário conhecer na teoria e na prática, o que se quer mudar.